terça-feira, 12 de julho de 2016

A ideoscopia acadêmica (Parte 1)



A ideoscopia acadêmica (Parte 1)
Escrito por Álvaro Vinícius de Souza Silva
Data: 12/07/2016



   Uma das debilidades acadêmicas mais fáceis de perceber no mundo universitário é a persuasão conceitual enquanto modelo de coligação de fatos (conexão pré-condicionada) ou forçosa coerência interna entre acontecimentos, bastante confundida com o livre exercício de inferir as relações entre os fatos, o que é deveras reforçado por uma falsa autonomia intelectual. Tendo em vista isso, em meu artigo "O Montante Hipotético-Conjectural"[1], já particularizo esse traço característico na seguinte afirmação: “Segue-se daí que o problema não aparece essencialmente quando se destina atenção aos fatos, mas no modo com o qual se infere as relações entre os fatos.” Nessa parte, consolido apenas um diagnóstico breve do que seria um apego epistêmico, se supor que, por assim reconhecer, tal problema interpretativo remeter-se-ia a alguma consequência direta de um princípio de entendimento preferencialmente aplicado. Todavia, não é isso que se sustenta assertivamente numa análise menos grosseira, potencialmente grassada por algum exame de menor obtusidade, que dificilmente poderia ser realizado pelo altivo esmero linguístico do pensamento universitário, já que, entre os bacharéis contemporâneos, há uma probabilidade infinitesimal de encontrar alguma inclinação para a autocompreensão dos processos de construção da própria cosmovisão e, quiçá, de reflexões mais vastas que suplantem pelo menos as correntes epistêmicas da "ideoscopia acadêmica", tão inoculada (ou inculcada) em suas mais profundas disposições reativas do inconsciente.   
      
   Essa persuasão conceitual traz sempre a sua face mais óbvia: o uso de algum conceito, específico ou geral, expresso ou implícito, redundante ou derivativo, do qual surgem tendências observacionais e avaliações pretensamente morais no decurso de uma cadeia estrutural coletiva (grupos sociais), aptas a “amarrar” laços entre raciocínios que apresentariam alto grau de convencimento, muito bem capacitados para formar alguma forma sistemática de pensamento. Um exemplo: quando se afirma, no meio acadêmico brasileiro, que há um impasse entre “socialismo” e “capitalismo”, “ortodoxia” e “heterodoxia" econômica, “senso comum” e “conhecimento científico”, "música erudita" e "música popular", “esquerda" e “direita”, “neoliberalismo” e “progressismo”, exige-se automaticamente uma aceitação prévia de iniciação ao debate não tão somente por esse enredo dicotômico (binômio terminológico), pois se define também, nessas expressões conceituais citadas, uma imposição ideológica que já se projeta aos níveis de alguma escala de virtualização conceitual, enquanto todo o debate torna-se assintoticamente confuso e, por conseguinte, passível aos rumos das possibilidades estratégicas de argumentos fajutos,  tão patentes nas simples disputas verbais, ávidas pela dissociação do poder persuasivo de cada um dos fundamentos reais a que pertence a “intuição primeva” de cada conceito -- para isso, recomendo meu texto “O narciso conceitual” [2]. Esse estratagema geralmente se desmembra tanto na falsificação da memória factual – seleção conveniente de fatos, falsas inferências e descabidas avaliações -- quanto no engenhoso desenvolvimento de argumentos apelativos (ex: argumentum ad verecundiam) [3], na maioria das vezes havendo, nesse anedotário dever, fulgores valorativos por meio de meras condecorações verbais tendentes a nenhuma discussão concreta, nada mais que disfarces semânticos entre palavras chaves que não passam de verdadeiras claves de pauta de alguma agenda ideológica, numa busca irrefreada para preservar implicitamente tais "cláusulas pétreas" de discurso. Para exemplificar,  basta notar que outras expressões conceituais tais como “fato histórico”, “contradição”, “justiça social”, “fato científico”, “progresso”, "democracia" e "direitos humanos" adquirem na prática uma espécie de sacralização verbal na medida em que a sintonia entre o ativismo e a establishment acadêmico estão sob a mesma frequência de atuação persuasiva.  Tudo isso nos leva a confirmar, em virtude desse automatismo discursivo, que move uma complexa máquina de persuasão conceitual hipnótica, a presença de um carimbo na inconsciência, “abençoada” especialmente pela burocracia mental do corpo universitário contemporâneo, gerando assim uma verdadeira "ideoscopia acadêmica". 


Notas:

Autor: Álvaro Vinícius de Souza Silva

Autor: Álvaro Vinícius de Souza Silva

3- Sobre o argumentum ad verecundiam.
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Outros textos do autor:

O inabitual como susto: de Feyerabend a Charles Richet.
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O inabitual como susto: o cético pantomima
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O Montante Hipotético-Conjetural
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Ciência, Método e Realidade (texto e vídeo)
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A insensatez adquirida
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A Falsa Dicotomia
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Sobre as manifestações do dia 15 de março de 2015
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Laços Informacionais:
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A imprecisão resolutiva e uma lição de Heisenberg
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O Espelho dos Físicos
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Alguns pensamentos (Aforismos, Reflexões)

A ilusão do progresso, o fruto da razão.
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Alguns pensamentos (Aforismos, Reflexões)

A Aparência do Mundo
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A Contradição
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O Reino Invisível
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